Quando Marco Martins ponderava trabalhar a partir de Um Inimigo do Povo, de Ibsen, como um desenvolvimento lógico do seu interesse pelo conflito entre o indivíduo e o coletivo — um tema central na sua criação —, a 19 de dezembro de 2024, a Polícia de Segurança Pública (PSP) realizou uma operação especial de prevenção criminal na Rua do Benformoso, em Lisboa. Esta artéria é habitada e frequentada, maioritariamente, por imigrantes do subcontinente asiático, em particular do Bangladesh.
A rua foi encerrada e cerca de 60 pessoas foram forçadas a encostar-se à parede, com as mãos sobre a cabeça, durante cerca de duas horas. Os seus corpos foram obrigados a manter uma posição fisicamente extenuante e, simultaneamente, a esconder os rostos.
As imagens tornaram-se virais e espoletaram um debate sobre a legitimidade da operação e os meios utilizados.
Tendo como ponto de partida a imagem daqueles corpos indefesos privados de dignidade, Marco Martins propõe uma reflexão sobre a forma como os media e os partidos políticos de várias esferas manipulam a imagem destas pessoas sem jamais lhes dar verdadeiramente voz.
Como tem sido prática recorrente na extensa carreira de Marco Martins no trabalho teatral com comunidades específicas, o espetáculo — fruto de um convite da Braga 25 Capital Portuguesa da Cultura, com a coprodução e cumplicidade Centro Cultural de Belém, do Teatro Municipal do Porto e do Théâtre de Liège — terá como base as biografias das pessoas que foram encostadas à parede e partirá da experiência física dessa situação.
Está já em curso uma investigação conduzida pelas jornalistas Joana Pereira Bastos e Raquel Moleiro, com o apoio de Rana Uddin, líder da comunidade bengali, para identificar e contactar as pessoas visadas pela operação — que constituirão, em simultâneo, o elenco central desta criação.
A peça Um Inimigo Do Povo, a nova criação de Marco Martins, a partir de Ibsen, é a proposta artística escolhida pelo CCB para ser o projeto de coprodução da rede Prospero NEW. O CCB assume o papel de coprodutor principal, contando já com a colaboração do Théâtre de Liège.
Ficha Artística
Direção e Dramaturgia Marco Martins
Texto Marco Martins, a partir de testemunhos de todo o elenco, da investigação de Joana Pereira Bastos e Raquel Moleiro, e de obras de Henrik Ibsen, Thomas Ostermeier, Florian Borchmeyer, Elias Canetti, Georges Didi-Huberman, Roger Caillois, Hannah Arendt, Cesare Pavese, Hein De Haas, Claire Touzard, Adília Lopes e Robert Peckham, Marguerite Duras e Pier Paolo Pasolini
Com Amin Nurul, Dil Bahadur Ale, Janit Fernandes, Kamal Chowdhury, Kamal Sarder, Niraj Khadka, Rajib Al Mamun, Sabera Parvin, Sharker Nasrin, Shohel Rana e Rita Cabaço e Rodrigo Tomás
Composição Vocal e Coro com o Elenco Rabih Beaini
Música Original e Composição Sonora Rabih Beaini
Música Original João Pimenta Gomes
Assistência de Encenação e Apoio à Dramaturgia Rita Quelhas
Apoio à Assistência de Encenação Alexandra Petrovskaya
Desenho de Luz Nuno Meira
Cenografia Isabel Cordovil e João Romão (xxxi.studio)
Construção de Cenografia Artworks
Sonoplastia Vitor Santos
Direção Técnica Pedro Moreira